Hoje me lembrei daquela árvore. E
fiz essa carta. Nunca tinha pensado. Queria saber quando conheci essa energia. Esse
medo.
Não a perda. Essa já era parte. Desde
pequeno as ausências são presentes. Criança boba, sem enxergar direito olhava
pro caminho solitário. A espera era sempre sozinha. Aos cinco anos, aprendi
devagar que minha mãe ia me esquecer. Promessa não era dívida. E chorei até
adormecer. Sonhava com o avião que esmaga a dor. Aprendi que guerreiros tem
calcanhar. Aquiles. O meu, Eros.
Meses nunca apagavam a saudade
dos irmãos. Sem sangue, minha irmandade é espírito. Hoje latidos e lambidas me
reconhecem. Miados são filhos. Aprendi a ser papai sem conhecer um. Meus filhos
me ensinaram que bastava pouco. Amor e cuidado. Paciência e respeito.
E aquela árvore na frente de
casa. Nunca soube qual a espécie. E precisa? Pra quem? A minha não existe. Eu
amava aquela árvore. Linda. Sinto seu cheiro ainda hoje. Pequeno abraçava o
pouco que podia de sua majestade. O grande momento do dia era chegar correndo
em casa, mochila pesada espancando minhas costas, e frear na frente daquela
maravilha. Olhava pra ela como se me conhecesse. Contei segredos e aposto ter
ouvido os dela. Suas folhas escorriam pra me presentear. Seus presentes eram
derramar suas folhas, meus primeiros marcadores de páginas.
Um dia olhando pra ela,
suspirando pela sua beleza, ouvi: “és o que és, um menino que sabe amar, mas
serás guerreiro”. Bobo e idiota, apenas sorria porque minha árvore era minha, e
agora me falava. Será que me escutava? Decidi ler meus poemas, contar minhas
aventuras. Um ritual diário acontecia. Chegar da escola e avisá-la o que tinha
aprendido. Sua paciência era enorme, ouvia até meu encanto com trigonometria.
Sabia que um menino sozinho encontra amigos em letras e números.
Contudo, eu sentia sua dor.
Pulsava. E eu bobo como sempre, preferia achar que ela estava de charme. O que
nos tiraria a felicidade? Porque eu sempre apostei errado?
Um dia ouvi adultos dizerem que
haveria uma poda de árvores. Não poderia ser ela. O que ela fazia demais? Ela
não incomodava ninguém, quem estivesse ainda assim incomodado que fosse para
longe. Minha amiga era grande demais. Forte demais.
Mas eu não fui. Uma legião de
estrangeiros abriu fogo contra minha amiga. Corri sem parar para segurá-la.
Gritava, chutava cada um que se aproximava. Ela era minha, isso deveria ser
motivo suficiente para ninguém machucá-la! Em vão, corri para protegê-la.
Conheci o escárnio masculino. Era só um trabalho como qualquer outro. Não! Era minha
amiga que morria. Ela ainda me olhou, e tombou encerrando pra sempre nossa
história. Meu ódio era tanto que não via direção. As pedras voavam para meus
agressores. Riam de mim e profanavam minha amiga. Chorei em seus galhos. Grudei
neles. Sem forças para aquele combate, arrancaram meu corpo de seus restos.
Minha alma já viajava ao seu lado.
Cheguei em casa com um único
galhinho, pequeno que me serviu de espada para atingir os meus adversários.
Olhos fechados em desespero, ouvi minha mãe tentar me explicar que eu não mudaria
isso. Gritava: Por quê? Sem resposta, dizia: o que há com você criança? Pensava:
ora, não é óbvio? Mataram meu amor! Como mãe de um guerreiro sabia que eu
sobreviveria. Cuidou de meu sono. Acordei com sua frase: está melhor? Pode ir à
escola?
Fui. Devia isso a minha amiga.
Aprendia tudo por ela. Jurava não esquecê-la. E seu último galho foi doado ao
último lar de minha mãe, porque sei que elas seriam amigas. Entreguei o que
tinha de seu para que cuidasse da travessia de minha mãe, ela saberia o que
fazer.
Nunca mais nos falamos. Cresci e
ela estava certa. Seria guerreiro. Hoje lembrei dela. Acordei com seu cheiro.
Olhei pra ela e disse: sim, estou ainda aqui e tenho tanto a te contar. Ainda
somos amigos. E não cresci. Foram e são tantas batalhas. Porém, ainda sou
menino. Bobo. Não gosto de trigonometria, embora ainda lembre nossas fórmulas.
Hoje tenho outros estudos.
E quando te perguntei se ainda lembrava
de mim depois de tanto tempo, um sopro trouxe uma folhinha verde. Ainda somos
amigos. Ainda me ouve. Não estou sozinho. Ainda te amo.
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