terça-feira, novembro 19, 2013

Um instante de felicidade

Este é um conto,  terreno que nem sempre me aventurei. Desde os tempos idos dos "Bananas X Babacas", tenho seguido fiel à poesia. No entanto, uma história pulsante merecia ser contada. Então vamos contar histórias...

Em um local distante vivia um vampiro. E não falo de vampiros holliwoodianos, era um simples vampiro. Não tinha super poderes, aliás, lhe faltava poder. Era tão comum, que quase passava como humano. Mas não era um. Era estranho demais para isso. Quieto, sem voz, ouvia a tudo e a todos, e em seu mundo, descobria as verdades humanas. Tinha fome de humanos, humanos sanguíneos. Sem forças, alimentava-se de outros pequenos mamíferos. O sangue não era o mesmo, mas eram companheiros inseparáveis. Até um gato preto era seu amigo. E os dois vagavam pelas noites acordados, em uma língua estrangeira aos humanos. 

Este vampiro temia o sol, sua pele sofria com os raios a lhe ferir. Ainda assim, era vampiro persistente. E na ânsia de buscar seu alimento, enfrentava todas as dificuldades. Saía ao sol. Não dormia. Em seu tempo inerte, ouvia músicas humanas e apreciava ainda mais a espécie que lhe matava. E sem dormir, sonhava. Como sonhava! Sonhava com uma dança espiral, com o olhar doce de um humano ao seus olhos tristes, sonhava com a humanidade que lhe era negada, com as mais tolas vivências humanas que de tão comuns nunca foram lhes fizeram falta, mas ao vampiro eram dádivas. Algumas vezes, lia romances e sonhava ser o príncipe encantado... Imagine? Um príncipe vampiro? Até os sapos riam dele. Imaginava sua vida em uma tela, olhando-a, de mãos dadas, a derramar a pipoca num beijo desajeitado, já que era tão inocente e perdido com as coisas humanas. 

Era um vampiro terno. Embora poucos soubessem. Ele era sozinho. Levantava todos os dias, ouvia a voz do tempo e saía a caminhar sem desejos de volta. Era desastrado. Era invisível. Era amável. Era triste. Era menos. Era pouco. Era um vampiro. E só. Sem mais. Não tinha nomes. Nem sobrenomes. Era vampiro. Diziam os humanos: "E lá vampiros precisam de nomes? E sobrenomes? Quanta ousadia?" E o vampiro olhava, respondia com um coração melancólico, com a força de um matador que não morria. 

Seus desejos eram poucos. Como vampiro não chegava a morte. Ela se distanciava dele. Nada era capaz de extinguir-lhe a miserável condição que se encontrava. Foram doenças, médicos enojados a tratar de um vampiro, sua vida era dispensável. Porque ainda insistia em aparecer? Por que o sol não lhe queimava o coração? Porque ele ainda tinha forças? 

Seu outro desejo era mais ousado. Tanto tinha sido tripudiado e ainda era determinado na mais comum das vontades humanas. Deseja encontrar uma alma que o acompanhasse. A bem da verdade, era ele sempre que acompanhava. E tímido, obscuro ficava a espreita do Amor. Este nunca lhe deu bola. Ele amou tanto. Mas não era possível aos humanos amá-lo. Ele era chato. Era feito de aço, mas de um aço que derretia nas palavras. E pra que serve um vampiro invisível que é cristal frágil?

Um dia, viajou para uma terra de doçuras. E como João e Maria arriscou-se a pegar um doce. Tocou na beleza da casa humana. Em segredo, olhava fascinado a ternura da garota que conversava com ele. Embora soubesse que ele era um vampiro, a doce menina até esboçou elogios ao vampiro. Mas vampiros não são elogiáveis. Ele, pouco versado na arte da sedução - este não era um vampiro adolescente e sedutor -  era um vampiro antigo, nada atrativo. Um simples vampiro cansado de uma vida sem morte. 

Seu deslumbramento veio logo após a frase da menina ao dizer que as pessoas (humanas) deveriam apaixonar-se não por isso ou aquilo, mas pela pessoa. Ele, mesmo sabendo que este não era seu estado, foi rapidamente furtado. Não era mais proprietário da força de seu afastamento. E foram poucos os instantes. Mas o vampiro poeta, sonhou e acordou. Não era possível pra ele aquele sorriso. Sua companhia era doce. E doçura alimentava mais que sangue. Este era um vampiro tolo. Os olhos da moça agradavam sua alma. A voz era como a mais bela canção para apaixonados. Mas o vampiro não era apaixonado. O vampiro não podia. Quem apaixonaria-se por um vampiro? Apesar de ser tão parecido como um humano comum, não era. Apesar de assemelhar-se a um vitorioso e destemido predador, era só uma minúscula presa acuada. Apesar de ser quase um homem como qualquer outro, era só um vampiro. Escondido. Acusado de não se expor, pensava: minha dor já não é exposição? 

E os poucos dias passaram. A beleza estava atordoando o vampiro. O vampiro era pequeno demais para tamanha perfeição. Apenas encorajou-se a estardalhar sua fascinação. E foi embora. Não pediu beijos. Era vampiro consciente. Era vampiro solitário. Beijos são humanos. Paixões são para humanos. O vampiro apenas sabia amar. E amou, naqueles lúdicos momentos, o destino por lhe mostrar a imensidão humana, que de tão comum aos próprios, só era vista como esplendor por aquele vampiro. A menina era símbolo. Símbolo de seu amor pela humanidade, de seu desejo das experiências comuns, símbolo de uma vida plena. Aquela que ele não conhecia e nunca iria conhecer. Conhecia a existência repugnante, indesejante. A menina era seu instante de felicidade. 

E ele viajou. E uma lágrima sobrou. O vampiro pediu a força cuidadora dos humanos para proteger aquela menina dourada. Em seu tempo infinito, implorou que aquele rosto não se perdesse em suas memórias dolorosas. Era tudo o que ele podia fazer. Ser vampiro era sua vida, justamente ele que buscava a morte. E a morte um dia iria levá-lo. Era sua esperança. Mas a nobre recordação da menina seria sua imortalidade. Assim, sem deixar de ser vampiro, ele conheceu o sonho mais humano de todos, o da imortalidade. E uma alma-semente foi plantada naquele vampiro.

Sorte a dele que pode dormir. 





sábado, novembro 09, 2013

"Cada um de nós imerso em sua própria arrogância esperando por um pouco de afeição"

Depois de um olhar antropológico num dia de balada, percebi que o sono não voltaria. Era outra coisa que eu precisava fazer. Para além dos milhares de compromissos que posso protelar, falar a verdade não posso. Antes que a polícia venha me dizer que eu posso se quiser, só direi que não posso porque NÃO QUERO.
Há dias que as coisas não me deixam descansar. E só agora percebi que era a voz de dentro expurgando minhas verdades. E foram. Há dias também vejo a polícia dizer qual a receita da felicidade integral para toda a população da galáxia (não basta mais a população terrena), com a velha e boa tática de dizer que a “outra” felicidade é uma ilusão, é produzida por isso e aquilo “ismo”. E todo aquele blá-blá-blá de sempre. Vejo que virou moda (na verdade há muito já é assim) usar de algo que supostamente deveria ser libertário, que supostamente deveria abolir dicotomias maniqueístas, para novamente produzir um modelo totalizante. Para além do que penso sobre essas imaturidades, vou voltar ao ponto do texto. Este, definitivamente, não é um texto contra ninguém. É um texto de reverência, de gratidão, de amizade, de AMOR.
Também há muitos anos conheci um jovem amigo que mal sabe o quanto me ensinou da Vida. E este é o momento de dizer, ou de publicar, esta pequena história. Por “acaso” nos conhecemos em um solo sagrado (para nós). E lá vivi minha primeira experiência de totalidade. Sempre quis entender o porquê daquele contato em noites de lua cheia, com vinhos, ervas, maçãs, estrelas e amigxs exercia tanto poder sobre mim. Hoje sei. Nada tem a ver com milagres. A linguagem mística é apenas uma forma de algumas pessoas (eu, por exemplo) darem sentido a algumas de suas experiências.
No entanto, diriam os não céticos que este encontro “operou milagres”. E não é verdade. Milagre seria algo da ordem do impossível. E o que este rapaz me ensinou, ou me mostrou, é muito possível. Ele nunca precisou alterar um tom de sua voz para me “acalmar” (sou reconhecido por ser um touro bruto ameaçador), muito ao contrário, sua voz sempre foi melodiosa e amistosa. Nem precisou me acalmar. Meus desesperos sumiam na presença generosa daquelas pessoas. Foi lá que aprendi a amar o conhecimento das Ciências Sociais (que em nada eram ocultas). Foi lá, neste encontro, que conheci a genuinidade de um “eu te amo”, e amor era verbo transitivo direto. Tinha direção. Sim, este era o mistério: eu era a direção, não se tratava do tão aclamado amor livre. Porque a liberdade era amar. E na mais doce contradição opiácea (como diria Marx), esta liberdade é a única lei. Quem entende? Nós.
A magia era criar vínculos. Era ser importante. Era valer a pena. Era estar junto, pro que der e vier. Era carinho sem cobrança, era doação sem sacrifício. Era ser UNO, sendo tantxs. Naquele momento, ouvir era sempre mais importante que falar. E ninguém ficava sem voz. Não era regra. Era vínculo. Nunca ouvimos que deveríamos ser companheirxs, éramos. A força da nossa união não vinha de dogmas nem de teorias moderninhas, vinha da importância que dávamos aos nossos elos. A máxima “um por todos e todos por um” nunca foi exigida, simplesmente era seguida. Não havia “faça isso ou não brinca mais”, ninguém era “o dono da bola”, autoridade e arrogância nunca são necessárias quando você reconhece em si, logo na diferença com o outro, que celebrar é melhor que obrigar.
Eu não fui exigido em nada. Em troca, só recebi: afetos, amizades, abraços, compartilhamentos, e Amor. E é claro que eu tenho saudades daquele tempo, e me orgulho de ter. Saudades só temos do que importou. E eu importei. Nós importamos.
Todas as vezes que pedi socorro, e foram tantas, era um abraço que eu ganhava. E quando eu lembro, eu fico com uma raiva danada de mim, porque demorei tanto pra perceber que eu nada tinha de amaldiçoado. Se não tinha a mãe e o pai “de verdade”, eu tive desde aquele encontro o “Pãe”, e toda a família de irmãs e irmãos conquistadxs. E essa história não acabou.
Era simplesmente isso que eu queria dizer, talvez poucxs concordem (o que não me causa a menor preocupação), mas não saiam por aí autorizando ou desautorizando Amor. Quem não desejá-lo, a fórmula é bem simples, afasta-se Dele. Amor não corre atrás de ninguém. Ele é benção, e como tal, só nos é ofertado se for de nosso desejo. Nada exige, apenas aceitar e vivê-lo. E isso eu aprendi contigo, meu Pãe!
E hoje tive vontade de lembrar ao mundo que você me ensinou esse “truque de mágica”. Pra ser fiel a mim, a única fidelidade possível em que EU acredito, prefiro te deixar os versos mais lindos do outro amigo, que sempre me (en) cantou:
“E o que disserem
Meu pai sempre esteve esperando por mim
E o que disserem
Minha mãe sempre esteve esperando por mim
E o que disserem
Meus VERDADEIROS amigos sempre esperaram por mim
E o que disserem
Agora meu filho espera por mim
Estamos vivendo e o que disserem

Os NOSSOS dias serão para sempre.

*OBS: os versos que eu cito são do meu eterno inspirador Renato Russo